Tiago, irmão do Senhor, reputado como coluna da igreja em Jerusalém, apresenta-nos uma interessante alegoria:
“Sejam praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando a vocês mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se àquele que contempla o seu rosto natural num espelho; pois contempla a si mesmo, se retira e logo esquece como era a sua aparência. Mas aquele que atenta bem para a lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte que logo se esquece, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar.”
A Bíblia associa, recorrentemente, a bem aventurança à obediência aos mandamentos divinos. Mas podemos afirmar que ela também está ligada à capacidade de entender o que a palavra de Deus diz a nosso respeito, daquilo que nós verdadeiramente somos.
Sobre isso, Tiago, ao mencionar o ouvinte que não é praticante, compara-o a quem se olha no espelho mas depois não se lembra de como é. Podemos presumir que o inverso também é verdadeiro: que o ouvinte que é praticante recorda com exatidão da imagem vista no espelho. Nessa alegoria, ouvir a palavra de Deus assemelha-se a contemplar o próprio reflexo. Lembrar-se ou não do que foi visto no espelho dependerá se a pessoa será ou não uma praticante da Palavra. Em suma, a própria Bíblia afirma ser o verdadeiro espelho que revela nossa verdadeira identidade.
E COMO DEVEMOS NOS ENXERGAR?
Não somos necessariamente aquilo que os nossos pais disseram que somos, nem tampouco aquilo que enxergamos no espelho natural, ou observando a história da nossa vida. Precisamos nos enxergar corretamente por meio de Deus, e isso só é possível quando olhamos através das lentes da revelação bíblica. A razão pela qual precisamos mergulhar mais profundamente nas Escrituras não é apenas para se obter conhecimento doutrinário, informação; afinal de contas, quanto mais tempo gastamos meditando na Palavra, mais compreendemos quem o Senhor é e quem nós somos nEle.
Lendo a Bíblia, depararemo-nos com nossas limitações – que são parte do propósito desse exposição ao espelho -, e isso acabará produzindo em nós um senso de dependência de Deus. Também encontraremos textos que nos mostram que neste mundo somos como Ele (cf. 1 João 4:17) entre outros que nos confortam e confrontam. Tudo isso, se revelado a nós, formará a nossa identidade.
Se queremos, de fato, ter a identidade constantemente transformada no Senhor, devemos estar em acordo com ele (cf. Amós 3.3). Isso significa que temos de nos enxergar exatamente como Deus nos vê. Pensar em nós como Ele pensa. Não podemos, à semelhança daqueles dez espias retornando de Canaã, dizer: “Éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos”. Temos de entender, crer e declarar: “Se Deus não me vê assim, então não aceito me enxergar de forma diferente daquela que Deus me vê”.
Para isso precisamos entender a perspectiva bíblica e, assim, concordar com o Senhor. Isso se dá por meio não apenas da leitura, mas também da meditação e reflexão das escrituras como em um processo de ruminação, regurgitando, mastigando um alimento mais de uma vez pra digerir melhor. É assim que a vaca faz, e acredito que esse seja um excelente exemplo a seguir com relação à Palavra de Deus. Ao refletir sobre as Escrituras, nós nos permitimos ser inspirados pelo que enxergamos nesse espelho bendito. E o que impacta a nossa compreensão de identidade afeta o nosso coração, e determina o curso da nossa vida.
Muitos perdem e deixam de viver a plenitude de Deus para suas vidas por nunca se enxergarem da maneira certa. Preferem se manter confortáveis e seguros dentro de suas cascas de inferioridade ou superioridade do que se abrirem para o tratamento divino. Tratar a identidade e o caráter nunca é tarefa fácil ou indolor, mas é o único caminho para os que desejam andar com Cristo verdadeiramente. Aliás, dentro disso, ouso dizer que quase nada é tão delicado e complicado para o cristão quanto o orgulho. A Bíblia diz que a soberba precede a queda (Provérbios 16.18), e isso, creio eu, seja pelo fato de que, quando o Maligno não consegue parar alguém com uma autoimagem inferior, tenta levá-lo ao outro extremo. É por essa razão que devemos buscar o equilíbrio em Deus e, na compreensão da Sua Palavra. Não podemos nos imaginar grandes a ponto de querer ser ou fazer aquilo que não somos nem fomos chamados a fazer.
Aqueles dez espias que se viam como gafanhotos morreram; Deus os julgou. Eles não entraram na Terra Prometida, e o restante daquela geração também não. Isso me faz concluir que a não compreensão da nossa identidade afetará o cumprimento do nosso propósito. Isso é muito sério. Gosto muito de ler a biografia de homens e mulheres que, em Deus fizeram história e foram ímpares em sua geração, e reconheço que um dos pontos em comum entre quase todos é que, em algum momento, eles conseguiram ter uma compreensão diferenciada de sua verdadeira identidade. Isso, consequentemente, levou-os ao cumprimento de um propósito igualmente diferenciado.
É necessário reconhecer o poder da autoimagem, seja a correta ou a errada. Josué e Calebe herdaram a terra porque viram a si mesmos como o Senhor os via, enquanto todos os outros que ficaram de fora, não. Isso deve ser o suficiente para trazer temor ao nosso coração e nos levar a investir na compreensão de nossa identidade, de modo que possamos cumprir nosso propósito e chegar ao nosso destino.
Autor: Luciano P. Subirá. É o responsável pelo Orvalho.Com – um ministério de ensino bíblico ao Corpo de Cristo. Também é pastor da Comunidade Alcance em Curitiba/PR. Casado com Kelly, é pai de dois filhos: Israel e Lissa.