Houve um tempo em que a ideia de margem era algo que fazia parte da vida das pessoas. A vida era naturalmente dotada de margem – um espaço entre os afazeres e as responsabilidades diárias que permitia um ritmo de vida mais lento e contemplativo. Não havia a constante distração de televisores, telefones, ou a urgência imposta pelos carros e viagens frequentes. A informação não chegava a todo momento e as comunidades não eram inundadas por um turbilhão de atividades simultâneas.
Sem a eletricidade para estender os dias, poucos sofriam de privação de sono, e a urgência de tempo era um conceito praticamente inexistente. As pessoas viviam de forma mais deliberada, com tempo para ajudar os vizinhos e participar ativamente das atividades sociais e religiosas que as uniam. Embora o passado tenha sido marcado por privações e dificuldades, ele também oferecia um espaço para respirar, refletir e viver com mais calma.
A nostalgia pelo passado muitas vezes nos faz esquecer das suas dificuldades, mas talvez haja uma verdade na saudade que sentimos. A margem que existia se dissipou com o progresso. Em vez de encontrar espaço para respirar em nossos dias, estamos constantemente sobrecarregados por uma avalanche de compromissos e informações. Será que a margem poderia ser o elo perdido que tanto ansiamos?
UM RITMO DESACELERADO
Um olhar para as cidades menores, ou até mais afastadas, pode nos oferecer uma perspectiva interessante sobre a questão da margem. Apesar de apresentar dificuldades, muitos desses lugares ainda mantêm um ritmo de vida mais pausado. As pessoas têm tempo para sentar e conversar, observar seus filhos brincarem, caminhar sem pressa e dormir noites inteiras.
Aqueles que já passaram um tempo nesses lugares frequentemente relatam um carinho pelo ritmo mais lento, apesar das frustrações e das privações.
Muitos missionários que trabalham em cidades afastadas relatam que apesar do trabalho intenso, o ritmo era mais parecido com uma caminhada do que com uma corrida. Sob as árvores verdes, encontravam tempo para descansar e refletir, sem a constante pressão de estarem sempre ativos ou envolvidos.
"E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."
Essa margem permite momentos de lazer, como ler livros em voz alta, fazer artesanato, ou simplesmente meditar e ouvir a Deus. Viver com margem é ir contra o padrão do mundo. É preciso diminuir as distrações modernas, como televisão e redes sociais, dar espaço para uma vida mais interna e focada nas relações pessoais e espirituais.
Richard Swenson, relata em seu livro: “MARGEM”, que juntamente com sua família passou um tempo na pequena Ilha de Carriacou, em Granada. A vida ali era lenta e simples. As clínicas eram básicas, sem muitos recursos tecnológicos, mas as expectativas também eram menores. Essa simplicidade permitia uma vida mais unida e menos apressada.
Embora viver no Terceiro Mundo não garanta margem, a combinação de um ritmo de vida mais lento e menos distrações pode criar espaço para respirar e viver de forma mais plena.
A IMPORTÂNCIA DA DISPONIBILIDADE
A margem não é apenas uma necessidade prática, mas também espiritual. Deus nos chama para viver com a mente renovada, não segundo o padrão deste mundo. O convite é para um vida de intimidade e profundidade com Ele, revestidos da nova natureza. Isso requer tempo e disponibilidade, algo que só pode ser garantido se tivermos margem em nossas vidas.
"Quanto à maneira antiga de viver, vocês foram instruídos a deixar de lado a velha natureza, que se corrompe segundo desejos enganosos, a se deixar renovar no espírito do entendimento de vocês, e a se revestir da nova natureza, criada segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade."
A falta de margem leva ao esgotamento, ao caos e à perda de perspectiva. Vidas sobrecarregadas não conseguem ver além da próxima tarefa, não conseguem se conectar verdadeiramente com os outros, nem responder ao chamado de Deus com prontidão.
Para sermos saudáveis, precisamos de margem em pelo menos quatro áreas: energia emocional, energia física, tempo e finanças. A vida moderna suga essas margens, deixando-nos estressados, exaustos e endividados. Restaurar a margem requer esforço e escolhas, mas os benefícios são inestimáveis.
Em um mundo que valoriza a eficiência e a produtividade acima de tudo, recuperar a margem pode parecer contracultural. No entanto, ao fazer isso, estamos criando espaço para o que realmente importa: nossa relação com Deus, com os outros e com nós mesmos.